quinta-feira, 31 de março de 2011

Sucatas

                 
               Foi como me senti. Sucata. Os princípios que deveriam me transformar em uma pessoa melhor,as vezes tiram folga. E aí não tem jeito. Palavras exprimidas encontram abertas a portaria, ressentimentos escondidos ressurgem das cinzas. Uma explosão mediocre de paradoxos sem fim tomam conta do periférico venenoso que há no ser humano. O sangue esquenta, o coração acelera, um estranho nó se faz no peito,parece até que causados por si mesmo. Ah! Pudera eu ter a sabedoria dos grandes que se calam exatamente quando deveriam se calar e agem exatamente como agem os sábios. Não que o trilhar tenha sido um mar de atalhos, mas eles não baixam a guarda. Quem se atreve a discordar?
             Certa vez, quando voltava do trabalho,vi um pano azul clarinho,parecia leve, cobrindo o que restava de um ser humano. Ironia ou não, o pano,ainda que alvo, escondia uma vida ceifada. Curiosos chegavam cada vez mais para ver de perto tamanha tragédia. De longe onde estava, vi um carro desses que gente poucos tem,um honda civic. Mais a frente, uma moto, simples,cuja marca nem vale a pena, nem carece dizer.
            E a movimentação aumetava. No local,giroflex de polícia e bombeiros tornavam o ambiente mais tenso. No chão, havia uma caixa embrulhada para presentes que alguém ali dizia ser para uma filha que aguardava o pai que jamais voltaria. Um silêncio estranho,profundamente estranho tomava conta do ambiente,quando foi interrompido por aplausos de todos a volta, no momento em que um carro de polícia saiu do local levando o alcoolizado motorista.
          Me peguei pensando na reação da família ao receber a notícia. Perguntava-me como foi o último contato daquela vítima com as pessoas queridas de sua vida. E desejei ardentemente que tivesse sido de grande amor e carinho, pois ele não teria outra chance de dizê-las o quanto as amava, ou o quanto a presença dessas pessoas era uma riqueza inestimável,ou que o toque, o olhar, o sorriso,ou apenas o cheiro, a certeza de vê-las novamente, fazia tanta diferença.
               Por outro lado, ele poderia não ter sida nada disso. Quem sabe um pai relapso, um esposo a desejar, um filho ingrato...ainda assim,olhando para aquela sucata de corpo humano, desejava que tivesse deixado um legado.
               Naquela hora entendi que sucateamos tudo. Sucateamos o tempo,os sentimentos, as palavras... sem saber que a boca só fala do que o coração está cheio. As palavras que eu digo, antes passaram pelo meu coração?

 Depois de algum tempo, você...[...] Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. William Shakespeare

By Aya Valentine